A mochila, a pressa, o fone de ouvido, os óculos e os passos. Descia a ladeira alheio a tudo, pensando nas tarefas que ficaram para o dia seguinte. A dor de cabeça já deslizava sobre os olhos. Era abrir o portão, subir as escadas: minha cama estaria esperando para encerrar o dia. Peguei a chave, mirei a fechadura. Onde arranjei esse tremor? Quando enfim acertei o buraco, senti um leve toque nas minhas costas. Virei, sobressaltado. Assalto?
Não era assalto, era uma velhinha. Já se dobrava pelo tempo e as roupas já estavam levemente puídas. E os olhos... Aqueles olhos azuis já deviam ser impressionantes quando opacos, mas assim eram surreais: a luz do poste reincidia sobre eles, aumentando assustadoramente o brilho da água. Não, ela não chorava, mas já ensaiava o pranto. Tirei o fone e, ainda trêmulo, arrisquei um “oi” reticente, na medida exata da minha surpresa e encantamento. Ela tentou sorrir, quando respondeu:
- Moço, qual o seu nome? Desculpa moço, o mau jeito. Eu chegando assim, tão de repente. Mas é que você... Por Deus! É que você é a cara do meu filho. Mas meu filho sumiu há tanto tempo... Como pode?
Paralisei: aquilo não poderia estar acontecendo. As lágrimas já desciam lentamente pelo rosto dela. Senti meus olhos queimando também, e a dor de cabeça se acentuando. Desviei meu olhar da senhora, mirei o poste. O clarão diminuiu.
- Gusthavo. Meu nome é Gusthavo...
- Ele tinha a sua idade, quando foi. Imagina você. É Gusthavo, né? Saiu cedinho, foi comprar pão. Antes de ser meio-dia eu já sabia que o tinha perdido. Aquele aperto. “Traz o troco” foi a última coisa que eu disse, moço. Ele não respondeu: só me beijou. Achei estranho, mas gostei. Que menino, Deus! Sempre cheio de surpresas! Mas por aquela...
Ela soluçou. As lágrimas agora corriam rápidas e o pranto, antes tímido, já sacudia todo o seu pequeno corpo. Acho que eu chorava também. Ela continuou expiando as saudades:
- E imagina você, menino, que desde esse dia eu tenho dormido com a porta aberta. Vai que ele volta de madrugada e encontra a porta trancada? E o telefone? Quando toca só pode ser ele: quem mais ligaria pra mim? Engano, moço, sempre me engano. Mas agora... Você me aparece – ela me fitou, incrédula – Como pode? Tão igual. Ele devia ter a sua idade e tinha essa mesma barba rala. Eu não gostava: “muito novo pra isso”. Mas olhando assim, até que fica bonito com esses óculos... Como pode, Deus, tão igual... Esse sorriso! Como é mesmo seu nome, moço?
-É Gusthavo. – murmurei
- Isso! Eduardo, meu Eduardo! Como pode, como pode? É para eu me despedir não é? Você voltou pra dar tchau, né? Você sempre faz isso, Eduardo... Não faz assim com sua mãe não, menino. Como você pode? É pra dar tchau mesmo? Então deixa eu me despedir, eu sou mãe oras. Vem cá! Me dá um abraço?
Fechei os olhos para não me cegar, não me afogar. E eu, que não tinha passado de uma fotografia, memória estática, passei a ser abraço. Apertei-a forte. E assim, por um instante, a mochila, a pressa e a dor de cabeça perderam peso. Só pesava a senhora, o rosto no meu peito:
- É saudade, meu filho... É saudade.
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Prosa enferrujada.
Mas aprendi no intervalo dos Simpsons: "um conjunto de vícios compõem um estilo", Não Pertube.
Desliga esse PC e vai ler um livro.
sábado, 15 de março de 2008
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7 comentários:
É, meu caro: o produto final ficou surpreendente. Gosto da sua prosa, ainda que diferente como você disse. Muito, muito bom (como de costume).
=)
Beijos
Esse gusthavo eu não conhecia, quantos moram aí dentro de vc, hein?!
Eu me lembro dessa história, não sei se é ficção, é?
Sempre as velhinhas, sempre elas.
=o*
P.S.: Ai que burraaaaaa, tinha postado sem querer no login da minha amiga ( Amanda), sorry!
vim aqui ler mais uma vez porque estou inconformada com a beleza disso.
vc é o único, qe consegue tirar lagrimas de mim, com 'apenas' palavras...
=S
Seu eu disser que chorei vc acredita?!
Posso fazer uam pergunta meio tonta?A velinha existe msm?
Impressionante, fiz uma nova experiencia...li em voz alta agora...me fez viajar mais que o melhor livro que eu jah li...
A parecero, me vende os direitos autorais pra mim poder publicar seus versos em um livro? =D
Posso me arriscar a um conselho?
Nunca pare de escrever...
Bju
emocionante =)
sensível.
incrivel, gu, incrível...
vc me assusta, assim! como que eu nunca havia lido seus textos??
que despedício de tempo, o meu!
daqui a pouco vc já vai ter livros e mais livros publicados e eu lá, sem saber de nada! =P
Impressionante mesmo. Encantador!
beeijo
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