segunda-feira, 30 de junho de 2008

De inverno

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Não fosse pela cor, meu samba seria gringo. O rosto moreno não leva consigo a tal malemolência natural. Mal-mal tento, quebro, giro e hesito sobre meus passos. O descompasso com teu corpo... O seu vestido meio roto em rodopio abrindo a roda. Surdo, cuíca, viola. Você nesse vai e volta, quase vem, quase me encosta [me gosta?]. À distância de um abraço, nós dois a dois passos...


Palmas e coro ao redor. Samba sol maior? Sabe-se lá, cada um por si. Eu em você, você em... Pulso, já disse, surdo, dentro abafando o de fora. Símbora! Nossa levada, nossa! E basta. Alma lavada, sorriso e suor. A cor é uma só. Cor de alma à flor da pele. É assim que o samba pede. Repete? Repique? Simples: Samba mesmo sem ser bamba. E chega de disse-me-disse.


Ouvindo: “Deixe-se acreditar”, Mombojó

terça-feira, 17 de junho de 2008

Seis horas, dezessete minutos e doze segundos

Eu, café, caderno e lápis. Madrugada e nem uma linha. O lápis vira baqueta e o grafite despedaça sob minha mão enquanto batuco um samba que esqueci a letra.

Café com canela.Ligo a tevê? Não, hoje não: essa noite eu viro sóbrio. Penso e releio os rabiscos: "meus amores agora dormem embalados pelo meu descaso, outros braços, você sabe, outros". Bobagem! Risco, rasuro, estrago. Foi-se a época dos treze. Do amor, não digo de novo. Vai ver só se ama aos treze. Aquela menina da quinta já tinha corpo e era ruiva! Ruiva nessas bandas, meu deus, ruiva! Já beijava também... Algum qualquer. Primeiro desgoto, primeiro... Não, amor não: hoje, sóbrio.

Ainda tem café na garrafa. Caneca engraçada... Olha só, se eu soubesse desenhar seria bem mais fácil: desenharia em canecas e viveria do café alheio. E se.. canecas com poemas? Há poesias até em banheiros, pq não em canecas? Linhas curtas e simples. Isso, escrever poemas pra canecas! Canela. Capela. Ela. Ela quem, deus? Quimera. Quimera não, vai. Quem bebe não quer saber de quimeras. Ninguém mais quer. Tá esfriando. De onde eu inventei de pôr canela nisso? Engraçado, muito. Merda, o poema! Ninguém mais sabe de poesia (ainda bem). Esquece a canela. Caneca, digo.

Sóbrio? Com sono é foda. Cadê a garrafa? Ainda tem! E o samba de quem era? Cartola, pô! "Elas apenas exalam..." "Imagina se uma rosa falasse, que rídiculo que seria..." O Germano não bebia café, bebia uísque. Uísque? Não, viro sóbrio, já disse. Viro o copo? Ah! Engraçadinho. "Meus amores agora dormem" o caralho. Eu que devia estar dormindo. Mas está cheia (mentira, é lua nova). "outros braços, meu descaso". Lixo. Esse café tá me deixando bitolado. Eu tenho insônia mesmo. Ela também. Longas noites, bons tempos. Putz, como se eu fosse velho assim. Bons tempos demoram décadas para mandar lembranças. Sacana. A idade. A insone. Ai ai.

É melhor escrever amanhã, quando sóbrio. Já virei a noite? Duas ou três? Quase seis. O Sol nasce lá pras seis e dezessete. Hoje eu quero ver os segundos. Na tevê está passando o que? Tevê não, por favor. Pastores e pornografia. Deve dar audiência. "Eu não sou audiência para a solidão". Nossa, essa música é muito ruim! Mas a idéia...dá num conto. Amanhã eu escrevo que esse lápis não aponta mais. Mas ainda tem café! Tudo a ver. Até que a idéia da caneca era boa, eu falava com o sogrão e ele... Ex-sogro, diga-se. A filha...! E ele era influente... Fodas, filha vadia. Amores, falar de amor em canecas com café e canela. Ela... Talvez aos treze. Seis e treze, olha só! É sinal, só pode! Garrafa vazia, restou canela. Se eu durmir, sonho com ela. Tevê, melhor a tevê! Sóbrio, nela não. Sóbrio. Sóbrio. Só. Tenha dó! Foi-se os treze, nada de ruivas ou filhas. Dormem em outros braços. Deixa, deixa: descaso. Palavra de ordem: Descaso! Só não descanso.

Nem canela mais...


Ouvindo: "Sobre ser sentimental" e "Reveillon", Ecos Falsos

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Saideira

Vinha o bardo me contando a história:

... Fiz cara de louco, aquele tique no rosto, uma voz etérea, estupidamente etérea...e recitei a primeira bobagem que me veio a mente:

“A poesia...

A poesia é pó de sentimentos
Pó diluído em tinta
Tinta bebida em versos
Versos vomitados em lágrimas”

As mocinhas se impressionaram, afinal, um lunático falando coisas sem sentido só poderia ser poeta...Mas elas não me deram o que queria...Só pediram um estúpido autógrafo.

- Mas o que você queria?
- Um cigarro, pô!
- E por que você simplesmente não pediu?!
- Meu jovem – ele retrucou, professoral – Poeta que pede, perde o lirismo...


Ouvindo: "Onze Dias", Los Hermanos

O Ministério da Saúde adverte: fumar pode causar câncer, mau-hálito, impotência sexual e exclusão social.